terça-feira, 10 de junho de 2008

O ponto de partida

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De riso e sonho construí minha casa. Pintei as paredes de azul-temperança, as portas e janelas de amarelo-vontade e o telhado de vermelho-suspiro. Em meu jardim imensos girassóis perseguidores de luz. Azaléias de veludo carmim e pequenos cacos de céu em miosótis. O muro coberto de loucura-de-criança para manter a insanidade do mundo distante de mim.

Era sempre Monet. Hoje sou Frida e Kandinsky. Onde não se vê era Munch. Agora Bouguereau e Tadema. Perdidamente apaixonada por um Caravaggio, ou quase ele. Ansiando em suspiros por ser a Flora de Botticelli.

Vou morrer de arte ou de saudade. Ou talvez seja tudo a mesma coisa. Mas a falta que tua mão me faz, só minha mão pode mensurar. Não há nó em mim que desate a ausência que me segura. É só a janela aberta. Só o vento cantando e a noite sorrindo. Quero tanto o que não conheço que nunca tenho tempo de conhecer o que me sobra. É um degrau a mais... e eu que odeio escadas, prefiro subir morros em estradas espirais.

Não abro mão dos meus sonhos... mas vivo com as mãos abertas em convite, e tenho sonhos indisciplinados e com asas fortes. Eles sempre vão. Sempre. Eu continuo de palmas estendidas chamando-os. Tão frívolos e arredios que só eu os quereria assim. Mas são meus. Meus. Tijolos da minha estrada pra lugar nenhum. Meus. E eu os levo. Carrego orgulhosa a bandeira dos que não lutam. Porque não fui feita disso. E nem todo o mérito vem das batalhas. Não nasci para os campos de guerra. Prefiro os de Van Gogh.

Contemplativa. Dessas de deixar a vida passar só para achar bonito. E a vida é tão simples que dá medo. Mas é tanto amor. Tanto. E vivo disso. De amor e de achar bonito. Ou talvez seja tudo a mesma coisa. É só essa vontade absurda de contar histórias que não deveria.





Aline Chaves
Publicado na Revista Trimera Casa de Letras n° 0.

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